domingo, 14 de março de 2010

Welcome to the Jungle

Em uma madrugada pouco estrelada preenchida de insônia, vodca, frustração e mentira, Joey apareceu para mim e pediu atenção. Assim que a dei, ele disse que contaria uma pequena fábula que ele considerava válida para que eu faça avaliações mais corretas de mim mesmo.


"Era uma vez um Leão. Ele era o Rei da Selva.

Esse Leão não era forte, não era vistoso e, apesar de alguns pássaros que deslizavam pelo céu insistirem que sim, este leão não se sentia nem um pouco excepcional.

Entretanto, apesar das aparências, ele mantinha-se como o rei da selva. Como qualquer Leão respeitável, ele fazia cara de mau apesar de não tê-la, estufava o peito para preencher com ar os músculos que lhe faltavam, rugia ordens bem alto e não admitia questionamentos para não precisar debater sobre os argumentos que lhe faltavam. De tanto praticar estas peripécias, o Leão acabou assimilando a sua fantasia e começou a vivê-la sem se importar com o que ele realmente pensava sobre si, uma vez que a sua fantasia era incrivelmente mais confortável do que a sua realidade..

E assim durou o reinado do leão sobre todos os seres que os respeitavam e sobre todos os seres que os temiam.

Em uma bela manhã, uma Leoa apareceu. Normalmente, leoas alimentam os leões com carne fresca que elas mesmo caçaram e copulam com o Leão cerca de cinqüenta vezes ao dia. Apesar do tradicionalismo e dos costumes, nossa Leoa recusou-se a cumprir suas tarefas de leoa, pois achava que o Leão merecia muito mais do que isso. Vendo isso, o Leão bradou indignado:

- Qual é o real motivo de questionares à minha ordem? Não te ofereço proteção e abrigo? Não te ofereço a minha virilidade e o meu status? Por quê te sujeitas à perder tudo o que tenho a lhe oferecer sendo que você não tem nada?

A Leoa, que sempre foi taxada de excêntrica por ter uma opinião muito abstrata das coisas, respondeu olhando para dentro dos olhos do Leão:

- Porque tu não conquistaste o título de meu rei. Tu és uma mentira e eu realmente espero que um dia eu tenha o meu porto seguro ao lado de alguém que viva para as estrelas que realmente brilhem.

Apesar de saber que sempre quis viver para as estrelhas que brilham,  o Leão esbravejou para que toda a selva ouvisse e, sem se dar ao trabalho de dizer mais nada, devorou a Leoa ali mesmo.

Ele manteve-se no poder até sua morte e, no seu funeral, apenas alguns pássaros estavam lá de boa vontade.

O Leão nunca urrou para os pássaros. Ele dizia que não urrava com eles pois sabia que a visão deles contemplava tudo que havia entre o céu, a terra e a nossa falha filosofia.

Na verdade, ele não urrava pois sabia que os pássaros estavam muito mais próximos das estrelas que brilham do que ele jamais estaria."


Depois de encerrada a fábula, Joey sentou-se e olhou-me calmamente esperando pelas minhas conclusões. Ainda não me decidi se eu sou o Leão, o melhor amigo do Leão, o principal conselheiro  do Leão, uma das leoas convencionais, um observador de pássaros ou Deus.

Joey riu e disse que eu tinha talento pra sonhar.


sábado, 16 de janeiro de 2010

Atóron atacantes narigudos!

Já notaram que as pessoas que mais fazem fofoca são as que sempre são as primeiras a dizer "nossa, eu odeio fofoca, não gosto de me meter na vida dos outros e blá blá blá"?

Pois é, eu também notei.

Eu acho uma coisa natural comentar da vida dos outros, comentar o que fulano fez ou deixou de fazer e etc. É um assunto comum que está em presente em qualquer mesa de bar. O problema começa a partir do momento em que as pessoas que tão falando dos outros usam as palavras para depreciar a imagem do terceiro que, geralmente, nem está junto do primeiro para se defender.

E isso me deixava puto.

Imaginem que já falaram as coisas mais sórdidas de debilitantes pelas costas, claro. A fofoca é usada por quem não tem argumentos. Todos os dias nós somos esfaqueados pelas costas por gente que nós jamais pensaríamos que fosse capaz de fazê-lo, mas, fazer o que? Falar que eles não tem o que fazer? Falar que a vida deles é desinteressante a ponto de eles terem que vir e falar da gente? Chorar? Dar porrada? Contar pra mamãe? Processar? Revidar com fofocas?

Tudo bobagem.

O negócio mesmo é olhar pro lado e ver quem está do seu lado, afinal, se eu não me importar e viver minha vida para as estrelas que brilham pra mim, o que os outros pensam e começam a indagar vira problema deles.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Joey, o Eremita.

Joey embaralhou as cartas com mão bem rápidas e eficientes. O baralho era velho, puído e parecia que iria se desintegrar ao menor toque. Seu estado de conservação era inversamente proporcional à importância que ele poderia ter tido em outrora, uma vez que era imenso e os desenhos nas cartas cheios de adornos em curva.

- São cartas de tarô, meu camarada... Uma variante do baralho padrão, ao qual acrescentei uma seleção de minha própria lavra. Agora observe com cuidado.

- Observar o quê?

- Vou revelar seu futuro. Provavelmente você não sabe, mas no tarô convencional, sete cartas devem ser viradas e postas em conjunção umas com as outras. Entretanto, como você é um idiota, eu vou virar apenas três e meio. - O tom de zombaria penetrou no final da frase da mesma forma que se mostrava evidente em toda vez que ele me olhava.

- ...

Parou de sorrir e dispôs três cartas em lado-a-lado com cuidado. A primeira carta a ser virada foi a do meio.

- O louco. - A carta mostrava um jovem adolescente com chapéu de palhaço pulando em um pé só e tocando flauta. Ele está à beira de um precipício, mas não se importa, mesmo com o cão ao lado dele latindo avisando-o do perigo. - Acho que ela não carece de explicações, não é?

- Porque careceria? Eu sempre sei o que você pensa, da mesma forma que você sempre sabe o que eu penso!

Joey riu com vontade e virou a segunda carta. A carta da esquerda. Tratava-se de um sujeito esquelético com uma roupa preta puída e uma foice gigante. Crianças corriam ao seu redor com expressões de pavor no rosto. Por algum motivo, uma mulher que segurava um bebê sorria tranquilamente.

- Morte - Joey disse suavemente - mas não para você.

Joey parou por alguns segundos. Senti a excitação percorrer cada partícula de seu corpo de enquanto ele colocava a mão na carta da direita. Ele mal podia se conter. Sua respiração era rápida e irregular, como se estivesse à beira de um orgasmo. Com os dedos tremendo, ele virou a carta da direita.

- Trata-se da carta - sorriso malicioso que só ele sabe fazer no rosto - Vida. - finalizou com os olhos brilhando - Mas não para você.

Não sei se ele errou ou se fez de propósito, apesar de eu achar que a segunda alternativa é a mais aceitável, mas percebi que havia uma carta escondida por debaixo da carta do meio. Na hora, eu não sabia qual era, mas a julgar pela excitação de Joey e pela sua reação ao abrir a última carta, concluí que só podia ser o Eremita.

Joey é um filho da puta egocêntrico que não vale nada.
Não me espanta que ele me adore e que esteja sempre comigo.