Em uma madrugada pouco estrelada preenchida de insônia, vodca, frustração e mentira, Joey apareceu para mim e pediu atenção. Assim que a dei, ele disse que contaria uma pequena fábula que ele considerava válida para que eu faça avaliações mais corretas de mim mesmo.
"Era uma vez um Leão. Ele era o Rei da Selva.
Esse Leão não era forte, não era vistoso e, apesar de alguns pássaros que deslizavam pelo céu insistirem que sim, este leão não se sentia nem um pouco excepcional.
Entretanto, apesar das aparências, ele mantinha-se como o rei da selva. Como qualquer Leão respeitável, ele fazia cara de mau apesar de não tê-la, estufava o peito para preencher com ar os músculos que lhe faltavam, rugia ordens bem alto e não admitia questionamentos para não precisar debater sobre os argumentos que lhe faltavam. De tanto praticar estas peripécias, o Leão acabou assimilando a sua fantasia e começou a vivê-la sem se importar com o que ele realmente pensava sobre si, uma vez que a sua fantasia era incrivelmente mais confortável do que a sua realidade..
E assim durou o reinado do leão sobre todos os seres que os respeitavam e sobre todos os seres que os temiam.
Em uma bela manhã, uma Leoa apareceu. Normalmente, leoas alimentam os leões com carne fresca que elas mesmo caçaram e copulam com o Leão cerca de cinqüenta vezes ao dia. Apesar do tradicionalismo e dos costumes, nossa Leoa recusou-se a cumprir suas tarefas de leoa, pois achava que o Leão merecia muito mais do que isso. Vendo isso, o Leão bradou indignado:
- Qual é o real motivo de questionares à minha ordem? Não te ofereço proteção e abrigo? Não te ofereço a minha virilidade e o meu status? Por quê te sujeitas à perder tudo o que tenho a lhe oferecer sendo que você não tem nada?
A Leoa, que sempre foi taxada de excêntrica por ter uma opinião muito abstrata das coisas, respondeu olhando para dentro dos olhos do Leão:
- Porque tu não conquistaste o título de meu rei. Tu és uma mentira e eu realmente espero que um dia eu tenha o meu porto seguro ao lado de alguém que viva para as estrelas que realmente brilhem.
Apesar de saber que sempre quis viver para as estrelhas que brilham, o Leão esbravejou para que toda a selva ouvisse e, sem se dar ao trabalho de dizer mais nada, devorou a Leoa ali mesmo.
Ele manteve-se no poder até sua morte e, no seu funeral, apenas alguns pássaros estavam lá de boa vontade.
O Leão nunca urrou para os pássaros. Ele dizia que não urrava com eles pois sabia que a visão deles contemplava tudo que havia entre o céu, a terra e a nossa falha filosofia.
Na verdade, ele não urrava pois sabia que os pássaros estavam muito mais próximos das estrelas que brilham do que ele jamais estaria."
Depois de encerrada a fábula, Joey sentou-se e olhou-me calmamente esperando pelas minhas conclusões. Ainda não me decidi se eu sou o Leão, o melhor amigo do Leão, o principal conselheiro do Leão, uma das leoas convencionais, um observador de pássaros ou Deus.
Joey riu e disse que eu tinha talento pra sonhar.
ººººººQuestionar-se, ainda que sem pontos de interrogação!
ResponderExcluirDigo que o belo faz-se concreto em poucas linhas, discretas mas sinceras, reveladoras, condizentes, efusivas!
Que sua escrita permaneça constante, crescente e alarmante!
Bjos
Brilhante!
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